Diário de Bordo - Esconderijos do Tempo em Porto Alegre 18 à 20 de março de 2011

E Mario voltou para o Majestic 

    Quando um grupo do interior recebe um convite para apresentar-se na capital, o número de indagações que envolvem a equipe, os atores e a direção, é muito grande. "Faremos um bom trabalho?, Nosso espetáculo é bom?, O público ocorrerra a apresentação?" Algumas pessoas indagaram como o Máschara sentía-se indo finalmente a Porto Alegre mostrar seu trabalho, a elas respondo, não foi a primeira vez! O Máschara já apresentou-se em vários palcos da capital. No Renascença em 1995, no teatro do Sesc em 2002, no Bruno Kieffer em 2001 e em vários outros espaços da "grande cidade pequena", para parodiar o poeta... 
          Esconderijos do Tempo é um espetáculo de 2006, concebido por Cléber Lorenzoni  e Dulce Jorge, que percorreu todo o estado e somente agora pode estar na casa de Mario Quintana, por que? Não sabemos, falta de oportunidade? Desorganização? Desmerecimento? Dificuldade para os grupos do interior em conquistar espaço na capital? 

O Majestic é um imponente do século dezenove, na área antiga de Porto Alegre e que hoje em dia acolhe o melhor das artes, alí no segundo andar da área oeste Esconderijos do Tempo instalou-se e foi soberbo. Na primeira noite alguns aquéns causados pela confusa distribuição dos espetáculos que preencheriam a primeira noite de CINPOA e a correria para pontualmente estrear o espetáculo naquela tournê. 
A sala Carlos Carvalho é um espaço razoavelmente pequeno, sem coxias ou urdimento, que homenageia o dramaturgo que segundo consta enlouqueceu no final da vida (não sei se a informação é correta). Mas que muito acrescentou para o teatro brasileiro. 
A primeira noite portanto, foi de teatro formal, técnico, e ainda assim muito emotivo. Os protagonistas estavam conectados, uma energia sinestésica que alcançava o público. Gabriel Wink e Angélica Ertel ousaram improvisar, sucesso do primeiro, fracasso da segunda. Tatiana Quadros carecia de mais ensaio, e Renato Casagrande preencheu o palco com despreparo interpretativo. Havia emoção, mas estava mal canalizada e suas partituras me confundiram mais uma vez. Dulce Jorge não deu tudo de sí na primeira noite, pareceu guardar para as próximas. Cléber Lorenzoni no entanto foi Mario, talvez motivado pela visita ao quarto do poetinha. A noite era sua, e sem ciúme o atencioso elenco ergueu a bola para que ele fizesse o gol. Houveram algumas gaguejadas, alguns repiques de língua, mas foram ignorados pela contrapontuosa ação em cena.  A platéia ainda que pequena da primeira noite foi tomada de assombro e comoção. Mario Quintana tinha voltado realmente para a rua da praia. 
A noite de sábado foi mais emotiva, mas faltou técnica aos coadjuvantes, o ar gelado do teatro causou problemas à parte do elenco e foi Dulce Jorge quem salvou a noite com todo a sua maturidade de atriz. Tatiana Quadros retornou ao palco com mas sensibilidade e o ar de atriz adulta que quase estragou sua interpretação, deu espaço a infância de Lili. No entanto falta-lhe ainda ensaio para assimilar que "o iodo é passado na garganta do peixinho"...  Nessa noite na platéia, duas senhoras naturais do Alegrete, comprovaram a existência de Gioconda e Glorinha, personagens citadas no texto. Que maravilha, que profunda perspicácia dos roteiristas e que sensação de missão cumprida quando o teatro, a arte é tão viva, tão próxima e tão potencialmente dominada pela platéia. 
              Mas foi na noite de domingo que o Máschara finalmente fechou com chave de ouro sua turnê. Até o cenário, montado as pressas na sexta pela competente equipe formada por Alessandra Souza, Diego Pedrozo e Ricardo Fenner parecia mais vivo, mais iluminado, melhor distribuído. Os momentos de concentração, as conversas tidas entre a equipe nos cantos do teatro, as gentilezas trocadas entre o elenco, o preparo iniciado mais cedo nesse dia, tudo colaborou para a eficiência da encenação... Angélica Ertel parecia nervosa, e por isso mesmo ainda mais viva. Gabriel Wink emocionou em seu soneto de forma delicada. Tatiana Quadros foi elegante em sua "Musa" e Renato Casagrande muito mais vivo embora sua mente  pareça repleta de dúvidas quanto a arte. Dulce Jorge entrou em cena iluminada e embora já a tenha visto dezenas de vezes nesse espetáculo sempre me surpreendo com sua chegada, há nela o peso de toda a existência do espetáculo como se trouxesse para a cena o teatro cruzaltense inteiro. Quando a atriz Angélica Ertel saía pelo corredor de memória de Mario Quintana, eu observava-lhe a força das pernas, o vigor da alma, o brilho nos pequeninos olhinhos e aquelas malditas lágrimas que sempre teimavam em cair naquela cena, onde não deveriam cair, mas como impedir a verdade de uma atriz? Aí me abateu um arrepio que ousava questionar-me, "será que a emoção que envolveu tanto aquela ultima apresentação, foi causada pela percepção do elenco em que a perda de tão dedicada atriz irá enfraquecer o Máschara. "Que singelo elenco unido, deve ter sentido no sangue o desfalque de uma colega que tanto fez e faz pela Cia. "
       Somente atores muito insensíveis não sofreriam a perda de um talento que junto com o seu dicotomizava o sucesso do Máschara...
                 Posso dizer que senti falta de Alessandra Souza em cena, mas parabenizo-a pela sonoplastia tão bem executada. A iluminação estava simples e objetiva nas mãos de Ricardo Fenner.
                  Em Junho o Máschara novamente tentará participar do CINPOA com A Maldição do Vale Negro e suponho que após o público portoalegrense ter aprovado Esconderijos, aprovará facilmente outro trabalho do mesmo diretor. No entanto, o trabalho sobre Mario Quintana, foi muito mais que um espetáculo a ser apresentado na capital e por isso também tenho certeza da FELICIDADE do elenco em ter conquistado um passo tão importante. Graças à Ricardo Fenner e Cléber Lorenzoni que não mediram esforços e CONSEQUÊNCIAS para enviar Esconderijos do Tempo ao projeto. Foi na verdade uma exequía, um oferecimento, uma homenagem ao poeta. Quem mais ganhou com as três noites de espetáculo foi Mario Quintana, que foi louvado e respeitado com tanto desempenho. Claro, nem todos entenderão o que estou dizendo, somente os verdadeiros artistas, pois falo de algo que tem a ver com alma e mesmo em cena, hoje em dia são poucos que a tem!!!


                                                                       E Esconderijos foi a POA,
                                                                          E eu SOU a Rainha


Comentários

  1. Oi pessoal, eu assisti o espetáculo no sábado, e fiquei bastante satisfeito com o trabalho, que apresenta momentos de real lirismo, ainda que em outros, com sua ingenuidade, quebram um pouco o encantamento. Posso dizer assim: Cleber Lorenzoni é um excelente ator, e dá vida a Mario Quintana de forma emocionante e com profunda compreensão, mas, devo dizer, ainda está imaturo como encenador. Existem certos pieguismos nas marcas e composições, especialmente as figuras etéreas que visitam o poeta, que não auxiliam o clima que, tenho certeza, o diretor gostaria. Mas, sinceramente, dou os parabéns ao grupo pelo sensível espetáculo. E faço uma correção bastante importante: vocês escreveram que o Carlos Carvalho enlouqueceu no fim da vida, e essa informação é absolutamente equivocada: Carlinhos sempre foi de uma coerência e de uma racionalidade impecáveis até o fim de sua vida. O que o matou, em 1985, foi uma doença insidiosa, mas que preservou até o fim sua mente privilegida. Corrijam a informação e mantenham a respeitosa memória de Carlos carvalho preservada.

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