Artigo publicado no Jornal estilo em 4 de fevereiro

Henrique Madeira

Burro enterrado de patas para cima

Imprimir artigo Envie este artigo para um amigo. 
Henrique Madeira: Para aqueles que não me conhecem, serei o pária responsável por assinar esta coluna venenosa e espinhenta, a partir de hoje. Sou professor, escritor romancista, roteirista, nasci e resido a três décadas em Cruz Alta. E, justamente, por ser um homem amante das belas artes, gostaria de começar falando sobre a cultura, ou melhor, a falta de cultura de nossa gente. Gostaria de compartilhar com vocês a questão que tanto me assola: “O que os cruz-altenses fazem quando não estão trabalhando?
Não seria interessante ir ao teatro? Temos o Máschara, um grupo fantástico que encena desde Shakespeare à Erico Verissimo. “Não. Teatro é bobagem”. É o que um cruz-altense da gema responde. E quem desmentir o que digo, sei dizer se é, ou não é, um hipócrita, pois vou ao teatro e já decorei o semblante de todos os trinta expectadores que estão sempre por lá. Ah, mas quando o pessoal da Pop Rock/Porto Alegre ou o Guri de Uruguaiana vem para cá o teatro lota, pois para um verdadeiro cruz-altense, o que é de fora é sempre melhor.
E que tal um cineminha? “Pra quê pagar 10 reais quando posso comprar um filme nos camelôs por 5 pila?” É o que um cruz-altense da gema responde. Como se a emoção fosse a mesma. Ah, quanta saudade do Cine Rex e o Ideal!
Que tal ler um livro? Bem, cruz-altense que se preza só lê jornal e bula de remédio, pois não sei da onde surgem tantas farmácias. Se as duas livrarias da cidade vierem à falência, garanto que 90% da população não terá nem reparado que elas fecharam. Por falar nisso, quantos livros do Erico Verissimo você já leu?
E que tal uma exposição de quadros ou esculturas? Retiro o que disse, pois nesta cidade agrária ainda ouço pessoas (supostamente instruídas) chamarem pinturas de “desenhos”. E quando falamos em esculturas, o que lhes vem à mente são aquelas estátuas de anão de jardim. O cruz-altense Saint Clair Cemin é um dos maiores escultores do mundo. Alguém saberia me dizer, de cabeça, o nome de alguma obra sua? Se tu és um cruz-altense da gema, sua resposta é, obviamente, NÃO.
Ah, mas, pelo menos, o bom cruz-altense aprecia a música. Não faltam idiotas circulando pelas ruas principais em seus veículos com o som no último volume, a escutar música eletrônica, vanerão e sertanejo universitário. E para os ofendidos, digo que gosto não se discute, mas qualidade, sim. Sem mencionar a falta de educação e respeito ao próximo com todo aquele exagero de volume.
Agora voltemos para a questão que não quer calar: “Como não há interesse pelas artes, o que os cruz-altenses fazem quando não estão trabalhando?” Ora, a resposta é simples: um cruz-altense que se preza assiste telenovelas e futebol para comentar com o colega de trabalho no dia seguinte; os mais arrojados praticam algum esporte e, a maioria esmagadora, coloca aquelas cadeirinhas dobrável na porta da casa, preparam o mate e assistem a vida passar.
Há uma lenda que diz que tudo dá errado em Cruz Alta, pois, há muito um burro foi enterrado de patas para cima. Assim como uma corajosa professora respondeu numa entrevista de rádio, farei delas as minhas palavras: “Não existe nenhum burro enterrado de patas para cima. O problema da cidade é que existem muitos burros soltos, que circulam diariamente pelas ruas da cidade”. Mea culpa, páter. Mea culpa.
PS: Por falta de espaço, darei continuidade ao assunto na próxima semana, abordando-o de forma mais incisiva e abrangente.

Henrique Madeira – Professor, escritor romancista e roteirista.
Maiores detalhes: www.cruzaltino.blogspot.com / www.henriquemadeira.com

Comentários