Diário de Bordo XXXII - A Maldição do Vale Negro no Art in Vento

A Gente se quebra, mas em cena, quando vê o olho do colega de cena...

Quando Cléber Lorenzoni há quinze anos atráz, leu a peça "A maldição do Vale Negro", sentiu algo forte no peito, um carinho pelo texto, um apego aquelas palavras "tão dificeis em nossa época", e provavelmente não imaginou que um dia estaría ele dentro das entrelinhas do mais marcante texto teatral de caio Fernando Abreu. Isso deve ter haver com o fato de realmente tudo ter sido escreito muito antes. Maktub. O fato é que agora, anos depois a peça ganha vida e vira um dos espetáculos mais divertidos que tmeos visto em muito tempo e merece integralmente cada um do troféus recebidos no festival em que participou nesse mês de outubro. A Maldição é um exercício, uma maravilhosa resenha sobre o que três atores conseguem fazer com energia e vontade sobre o palco. Tem um pouco de farsa, um pouco de sátira, perpassa o pastelão e o besteirol, em cena vemos até um pouco da velha e boa bufonaria. Tudo isso sobre a égide do Melodrama.  Alguém disse que era uma bagunça ordenada, longe da pièce bien-faite, o que discordo, afinal toda confusão alí presente foi ensaiada para assim o ser. E tudo acontece harmoniosamente, freneticamente, absurdamente.
Cléber Lorenzoni, Ricardo Fenner e Gabriel Wink dão uma aula de interpretação, longe de demagogias, já era sabido seu talento, Cléber Lorenzoni revigora-se a cada apresentação e como disse a bailarina Rubiane Zancan, "O Cléber nunca é igual, cada vez que vou vê-lo em cena fico me perguntando, qual é o Cléber, tamanha é a mudança que ele mostra em cada espetáculo". Gabriel Wink já mostrára sua veia humoristica, mas as três personagens que encorpora nesse espetáculo são inacreditáveis, verossímeis e totalmente diferentes. Ricardo Fenner é um novo ator. Sempre disposto a criar, a evoluir, esse jovem vai longe...
Por tráz da cena, Renato Casagrande e Alessandra Souza, discrétos mas presentes, trajados de preto, perambulando por tráz das rotundas e auxiliando o elenco no outro espetáculo que não vemos, naquele que ocorre nos bastidores, nas trocas de figurino, na correria em nos apresentar o melhor.
A Maldição do Vale Negro teve tríplice aliança, Cléber Lorenzoni com sua criatividade excessiva, Dulce Jorge perfeccionista no trabalho dos atores e a iniciante diretora Angélica Ertel, repleta de idéias de vanguarda. 
Mas quem subiu ao palco não foram apenas os sete personagens do texto, ou os sete integrantes do Máschara que deram vida ao sonho aliádos a Roberta Corrêa. Mas sim os nossos velhos conhecidos atores idiossincráticos da Cia. Máschara de Teatro. E aí a diferença é muito grande.  Coisas incríveis acontecem dentro das quatro paredes de um grupo de pessoas que convivem durante anos. Exageros, ciúme, desentendimento, virtuosismo, falsidade, hipocrisia, preguiça, descontentamento, gana, e outras tantas emoções e sentimentos misturados formando a colcha de talentos e faltas de um grupo de quase vinte anos de existência.
Talvez tudo isso faça do Máschara uma equipe mais forte, talvez tudo isso alimente a gana que ocorre no palco. Mas isso também reflete-se na infeliz desprecisão da parte técnica que tanto deixou a desejar. A iluminação e sonoplastia quase colocaram tudo a perder, e só não o fizeram, por que como já sabemos, o teatro está sempre na mão dos atores. Mas o mais triste é a falta de humildade e respeito que se abate sobre alguns integrantes. Quando não há respeito o trabalho vai enfraquecendo. Quando não se reconhece o erro, não se é admirado e não se aprende com ele. Quando só enchergamos os erros dos outros, e nunca os nossos aí fica difícil ter credibilidade para um dia sermos os guias de algum trabalho.
O Máschara trouxe portanto quatro troféus merecidíssimos, embora eu pense que Ricardo Fenner merecesse também uma indicação, pois como já disse, aqueles atores sobre o palco foram um só durante a cena. Mas festival é isso, o olhar de três pessoas sobre algumas obras. O resultado de um festival não é um decreto sobre o talento ou a ausência dele, é apenas o ponto de vista daquelas pessoas sobre uma das tantas apresentações que um espetáculo fará. Troféu no fim das contas servirá para segurar portas, para cobrir-se de pó, para ser morada de cupins. O que realmente fica, é o debate, a explanação do público e aí incluo o júri. O riso frouxo e alto de outros atores que se fazem presente. O melhor premio é a recordação que um espetáculo deixa. É a certeza, ao ser aplaudido em pé, que aquela apoteose construída em uma hora ou mais de espetáculo ficará para sempre. Rosalinda, Úrsula, Maurício, Rafael, Vassili, Jezebel e Ágatha, jamais serão esquecidos e isso é o verdadeiro exercício teatral, que gera inspiração (não cópias), mas idéias artísticas. Aqueles que ficam desfazendo da arte, criando problemas, dificultando o verdadeiro teatro, não perceberam que serão esquecidos rapidamente, serão o pó dos troféus.  
A Maldição do Vale Negro durou pouco mais de uma hora na Câmara de vereadores de Osório, foi noite de Ágatha, Maurício e Rosalinda. Digo isso por que há dias em que a noite é da dupla de ciganos. Cléber Lorenzoni esteve fora de sí, ligado, intenso ao extremo. Surgiram novas piadas, e soube dar a curva precisa do espetáculo. Ricardo Fenner de uma leveza encantadora. Soube aprender muito bem as técnicas de seu grupo e tenho que elogiar seus pés. Ricardo Fenner atua muito bem até com os pés. Gabriel Wink é um ator que me desconcerta, com aquele jeito de "no mundo da lua", é tão sagaz na cena, e tão disposto ao jogo! Não considero nenhum espetáculo pronto, mas se existe essa classificação, A maldição é um espetáculo pronto. Carece claro de uma equipe técnica mais profissional, mas no quesito palco, está pronta! E tudo isso faz do Máschara também um grupo dos sonhos, onde, apesar de ser tão difícil fazer bom teatro no interior, o fazem, onde apesar da ausência de um método científico, há técnica, experimento e arte! Deve ser por isso que o ator Gabriel Wink encerrou a premiação considerando que grupo dos sonhos é aquele onde apesar dos problemas, quando se entra em cena e vê o olho do colega cheio de gana, se percebe que se está no lugar certo! Ao menos para quem valoriza o teatro!




                        A Rainha



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