Diário de Bordo XII - Lili Inventa o Mundo em Panambí

Pra sempre, pra sempre contraditórios...

Ah se o público imagina-se ou mesmo soubesse o que acontece atrás da cortina. Se suponhasse o que os essas criaturas sentem, as válvulas que acionam dentro de suas mentes para compor aquela pequena encenação de quarenta ou cinquenta minutos. Os verdadeiros atores, aqueles que dedicam sua existência ao fazer teatral, vivem em uma fogueira de vaidades, uma auto flagelação de emoções e principalmente uma total exposição de seus caraters. 
O Teatro não nasce apenas de um ou dois treinos, como alguns podem pensar, não nasce de uma sequência de repetições. E por isso mesmo é algo vivo. Por isso nunca se repete, por isso quem assiste hoje ri, e se assistir amanhã talvez apenas venha a sorrir, e ainda talvez em outro dia, apenas pense. Cada investida é nova, como se novo espetáculo fosse. Não é novela, não é cinema, é TEATRO. Tem haver com o estado de espirito do ator naquele dia. Tem haver com suas proprias emoções, com suas fragilidades, com sua sensualidade, com seu destempero, com sua auto ou baixa extima. 
Aquele olhar lindo que a atriz lhe lançou do proscênio e que tanto o cativou, é um misto de milhares de micro-ações que se passaram dentro dela.
Será que aqueles que cercam os atores tem noção do quão carentes, frágeis são essas pobres criaturas? Será que percebem que eles estão alí dando seu melhor, suas dores todas, como se estivessem frente a um espelho? Será que a platéia sabe que as vezes esse ser magistrál mal pode se por em pé, e que seu apláuso é como uma carícia que vai até o palco e alivía levemente seu coração cansado...
Mas o ator também pode ser um ser vingativo, áspero e insensível, e quando domina o público durante um solilóquio pode sim estar usando de sua perícia em dominar os outros... 
Os atores são como os mortais, o que os difere é que brincam com os sentimentos, com os seus e com os dos outros. São exímios em dominar e dissimular, sabem como ninguém conseguir o que querem. 
Ah! Ah os atores e suas indiossincrazías, suas dores e seus extases...
Olha
Será que ela é moça
Será que ela é triste
Será que é o contrário
Será que é pintura
O rosto da atriz
Se ela dança no sétimo céu
Se ela acredita que é outro país
E se ela só decora o seu papel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Olha
Será que ela é de louça
Será que é de éter
Será que é loucura
Será que é cenário
A casa da atriz
Se ela mora num arranha-céu
E se as paredes são feitas de giz
E se ela chora num quarto de hotel
E se eu pudesse entrar na sua vida
Sim, me leva pra sempre, Beatriz
Me ensina a não andar com os pés no chão
Para sempre é sempre por um triz
Aí, diz quantos desastres tem na minha mão
Diz se é perigoso a gente ser feliz
Olha
Será que é uma estrela
Será que é mentira
Será que é comédia
Será que é divina
A vida da atriz
Se ela um dia despencar do céu
E se os pagantes exigirem bis
E se o arcanjo passar o chapéu
E se eu pudesse entrar na sua vida
Hoje em cena ví tanta coisa, ví tanta dúvida naqueles pequenos olhinhos, ví a dúvida e a incerteza da atriz, ví o iniciante se esforçando para agradar seu mestre em sua cena de transformação, ví a jovem atriz que se confunde tentando acertar seu solilóquio, que quer sim acertar, que luta para acertar e que tanto se mártiriza por não acertar e isso ninguém vê. Hoje eu ví o jogo do arrogante ator que tem talento mas não o percebe como o dom maravilhoso que recebeu. Ví a atriz cansada de sua própria dúvida interior, que faz o seu melhor e é tão incompreendida, tão solitária em sua verdade. Ví o ator cansado que lança em cada intonação o peso de sua vida, seus amores e suas dores. Que encontra o conforto no aplauso do público. Ví também a atriz livre que consegue separar sua vida pessoal de sua existência no palco, e que não sabe mas é abençoada por isso. Ví o olhar lá longe de quem há tempos não está feliz ou satisfeita, para quem realmente neste dia Lili Inventa o Mundo tocou fundo... 
Eles não sabiam, mas estava tudo tão exposto, tão visível...
Tão a serviço dos outros...
E tão pouco valorizado...

                                                 A Rainha 

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