Diário de Bordo II - Lili inventa o Mundo em Tapera/RS

                            Todos seremos para sempre, para sempre insensíveis..




                   Ser um bom ator, trata-se de falar alto e com dicção? Trata-se de ter presença? De ser capaz de emocionar? De ser capaz de arrancar gargalhadas? De construir um personagem verossímel, compléxo e cheio de nuances? Ou são outras mil idiosincrasías que os próprios artistas inventaram, ou ainda não é nada disso?
                  Na apresentação do Grupo Máschara em Tapera, fiquei me perguntando o que seria atuar. E de que isso serviria em um local pouco ou nada adequado ao teatro.
                 Salvos o teatro de rua, a stand up, o show musical, a opereta e outras dessas criações que tiram o teatro do palco italiano e o colocam da tela do youtube ao campo  de futebol, o teatro é pensado para um momento de envolvimento, conexão entre público e atores. A mise en scène não suporta buzinas, estrondos, chuvas e gritarías. O teatro é como o cinema, com a diferença que seus artesãos estão alí, em sua frente, e sua matéria prima é seu corpo, sua mente, sua "saúde".
                 As pessoas que contratam o teatro, pouco ou nada sabem do fazer teatral, por isso tudo é dificil, é dificil montar seu cenário pois há sempre algo que a organização consideram mais importante, não da para  fazer uma boa iluminação ou sonorização, pois os técnicos locais são experts em shows musicais.
                 A platéia que é trazida nessas ocasiões, mal sabe para que veio, e é largada de qualquer forma mesmo que o teatro já tenha começado e ninguém se importa se a pobre criatura no palco precise, apesar dos ruídos deseducados, manter a atenção dos outros tantos que chegaram primeiro.
                O camarim pode ser sobre a terra, as atrizes não precisam de privacidade, os seguranças são preconceituosos. O que lhe pagam são miseros trocados que o ator precisa somar a outros "bicos". Na maioria das vezes não há nem mesmo água. Ao redor as pessoas observam o ator erguer caixas, escalar escadas e interagir com fios elétricos, sem nem sequer se oferecerem para auxiliá-los. Ainda assim, poucos minutos depois ele deverá ser extremamente cômico, emocionar e se fazer ouvir impecavelmente.
                 Em Tapera, a platéia foi desfavorecida pelo volume do espetáculo e pouco se ouviu da narrativa. Resolvido o dilema, prontamente a Cia. dispos-se a repetir a encenação. São artistas dignos! Mas será que o público queria ouvir? Havia lanche, havia brinquedos emborrachados e elásticos que ofendiam o momento lúdico sobre o tablado. Havia ruído, a triste guerra de ruidos que estressa professores, cança as crianças e só é vencido pelo poder dos microfones.
                Mas atores como Angelica Ertel e Cléber Lorenzoni movimentaram-se muito bem com os microfones na mão. Os coadjuvantes foram prejudicados por sua falta de presença. O falsete de Gabriel Wink por vezes tornou-se incompreensivel.A fragilidade com que Renato Casagrande encarou o público, fê-lo perder o dominio sobre a cena. Ainda assim o espetáculo desenvolveu-se vivaz, eletrizante e se ao menos uma criança na 10ªToca do coelho de Tapera tiver assimilado a frase de Lili -"Nós seremos para sempre, para sempre crianças..." - o teatro terá cumprido sua função. E talvez as professoras de amanhã não sejam como algumas que não conseguiram repetir a poesia do Pinhão Quentinho, refletindo tristemente que alguns adultos não tem uma criança em seu coração.

                                                                           É uma pena.

                                                                                               A Rainha.

Comentários

  1. Até quando teremos que passar por estes "constrangimentos" provocados pela falta de estrutura, em locais sem a mínima condição de atuarmos verdadeiramente?

    ResponderExcluir

Postar um comentário