quarta-feira, 24 de setembro de 2025
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quinta-feira, 18 de setembro de 2025
quarta-feira, 17 de setembro de 2025
1256 - Rei Lixo/Rei Lear (tomo 02)
Quando Goneril e Regana encontram um bebê no lixo, e o devoram, estão resumindo todo o espetáculo, essa cena quase poderia ser o prólogo do espetáculo. Mas de forma muito pertinente, acontece exatamente quando sabemos que não há mais volta. Lear sucumbiu na cena da tempestade, e a sua existência chegou a finitude. Não haverá continuidade, elas estão acabando com o novo e com o velho. Poucos instantes ele havia dito: Foi-se a honradez. O ciclo encerrou-se. Quando um ancião parte, a natureza oferece um novo caminho. Os adeptos da monarquia costumam dizer: The King is dead. Long live the King! Que exprime a premissa de que um rei parte e novo rei deve assumir, no mesmo momento, não há tempo para lágrimas, a vida precisa seguir seu curso. Em Rei Lixo/Rei Lear, não há um rei para assumir. E é exatamente o que a cena do bebê significa, devora-se o novo também. A alegoria é muito clara.
Eu mesma, como anciã que sou, percebo um dos maiores medos e dores de Lear, saber que seu legado está perdido, esse apego material dos grandes líderes, tem a ver com o quanto de si colocaram em algo. Ou seja, uma vida inteira dedicada ao oficio, que se perde quando Cordélia não se curva. Ao não demonstrar a faceta necessária para o jogo, Lear sofre mais por ver que a filha não está preparada. O velho rei deve pensar: -Estamos em maus lençóis!
Lear subiu ao palco no dia 14 de setembro, exatamente no mesmo dia em que Tartufo de Molière em 14 de setembro de 2008, quando no elenco Gabriel Wink, Dulce Jorge, Kléber Lorenzoni, Renato Casagrande, Fefa Perez, Tati Quadros. Lá quem salvava a trama também era o Rei, uma alusão à Luís XIV da França. O atual elenco pode ser comparado àquele também bravio elenco, pela linda entrega, pela força e energia. Ana Costa, Carol Guma fazem uma dupla muito eficaz. Junior Lemes, que pode melhorar a dicção, esteve completo, intenso. Renato Casagrande rouba a cena e excursiona por lugares interessantes da psique humana, brincado com a mente dos Duques de Gloster: Glocester e Edgar. O espetáculo encerra com o peso da tragédia, foram-se bons e maus, restando apenas o jovem Edgar, cujo interprete aliás, precisa se ater ao clima de cena final. Lear morreu e ao invés de dar o tempo, a pausa o silêncio necessário, Maldaner já sai falando a fala final sem permitir que sentíssemos o que estava acontecendo. Ele não pode ser Rei, o bando está acabado. Esse é o maior fracasso dos ruins, eles desejam o que os homens honrados e batalhadores constroem, mas não tem força para manter, para fazer crescer.
Ao contrário de muitos outros espetáculos, Rei Lixo é um trabalho que coloca em jogo muito da capacidade da plateia. A trama é simples, mas há tantos signos, que uma audiência, em sua maioria despreparada, tem certa dificuldade para decodificar. E isso reitera a necessidade de mais e mais teatro. Para pensarmos "fora da caixa", para olharmos o mundo de outras formas, para vencermos preconceitos. Para rirmos da desgraça e chorarmos na conquista. Aliás muito percebi em quem estava próximo a mim, uma diversidade de sensações. Nojo, lágrimas, risos, risos abertos e risos tímidos, dúvidas, curiosidades... O teatro destaca-se exatamente por não se subjugar a modismos, ou ao comercial. Ele é em si mesmo, único e justificável. Kléber Lorenzoni e Antonia Serquevito podem e devem buscar mais detalhes da energia de seus corpos animalescos, para não destoarem do restante do elenco. Parabéns à Gabriel Ben pela presença leve e ao mesmo tempo pesada de seu bobo.
Os figurinos, cenários, trilha e iluminação, obtiveram bons resultados e apresentam uma unidade representativa. Palmas para a pichação no fundo do palco. Palmas para o trabalho em equipe que coloca o Cena Às 7 no palco desde 2005. São vinte anos que esses esforçados artistas nos brindam com um teatro de qualidade.
O teatro é uma chama que queima, viva, intensa, as vezes você não sabe de onde vem essa chama, sente apenas o odor intenso, que consome tudo e todos. Procura por todos os lugares, e então acha dentro de si, no mais fundo do teu interior, uma brasa, uma centelha que queima quietinha e teima por se manter viva. Podemos tentar afogá-la, jogando baldes de água, devido às nossas dúvidas e angustias, podemos nos desmotivar, podemos fugir, buscar culpados. Mas o fato é que se realmente fomos tocados pela chama do teatro, essa paixão continuará ali. Sempre.
Acho importante e necessário, a equipe escolher qual realmente será o titulo do espetáculo e assumi-lo com coragem.
A Rainha
Rei Lear/Rei Lixo
Transcriação e Direção- Kléber Lorenzoni
Cenário e Maquiagem - O Grupo
Figurinos - Renato Casagrande
Sonoplastia - Clara Devi
Adereços - Kleberson Ben
Iluminação - Ana Clara Kraemer
Contrarregragem Roberta Teixeira, Felipe Brandão
Portaria - Didy Flores e Priscila Lemes
Elenco - Kleber Lorenzoni, Renato Casagrande, Carol Guma(**), Douglas Maldaner(**), Ana Costa(***), Antonia Serquevitio(**), Junior Lemes(**), Kleberson Ben(***)
Arte é Vida







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