1194-1195 A Lenda do Menino do Pastoreio (tomos 19/20)

 Sempre que se sobe ao palco um espetáculo, é importante pensar: Quem deve assistir isso? Para quem isso foi feito?

Menino do Pastoreio vive dentro de minha mente como uma peça que tenta contar quem eram aquelas pessoas que viveram aqui antes de nós, já que suas escolhas interferiram profundamente em quem somos e no que nos tornamos enquanto vida em sociedade. Para os mais jovens, fica uma pergunta sempre: Quem foram os escravos? Como era realmente aquele universo? A sociedade escravagista vive na mente dos jovens, como recordação remota de algo ruim, embora se fale muito que essa é uma página vergonhosa da historia. Quando se volta ao tema por tanto, parece inacreditável, parece quase uma alegoria. No entanto é necessário falar do tema, voltar a ele para impedir que tal página obscura da humanidade reascenda.  

O mundo parece em um primeiro momento ter mudado, no entanto determinadas feridas estão lá, continuam ardendo. A separação entre as classes, a segregação, o racismo... Clarice Lispector e João Simões Lopes Neto escreveram sobre a lenda do menino escravo, cada um a sua maneira. Lorenzoni passeou por vários cainhos para dar vida aos pequenos: Olga, Nerêncio e Pinguancha. Essa última aliás poderia ser muito mais explorada, não sabemos por exemplo se ela defende Nerêncio, se ela sofre, se ela está satisfeita, a não se por dois breves momentos em que acode o menino. Seria ele seu irmão como tudo indica quando se leva em conta a cena inicial do espetáculo? Antonia Serquevitio pode criar mais, dedicar-se mais e propor algo, organicamente à Pinguancha escrava. No primeiro bloco por outro lado, as crianças dão um verdadeiro show e ali Serquevitio está muito bem(**)(**)

O espetáculo que se divide em duas fases, consegue nos envolver e ainda levanta vários questionamentos através da sinhazinha Olga. -Mas o senhor acha certo ser dono de pessoas? - ou - Eu sou velho, você é jovem, pode transformar o mundo, fazer diferente! - Exatamente, cada geração encarrega-se sempre de melhorar ou sanar os erros da geração anterior. Os textos, réplicas e tréplicas escritos por Lorenzoni têm uma força incrível, pena que alguns atores não deem tanto valor a palavra. para se dizer bom ator, se reconhecer como tal, é importante dar profundidade às palavras, compreender sua sonoridade, sua profundidade! Clara Devi (**)(**) possui uma entrega física muito bonita, no entanto deve ater-se ao seu vocal, ele é a cereja que falta.  

Renato Casagrande (***)(**) triangula muito bem com o elenco, e sua construção como estancieiro cego vem crescendo muito, cada desafio no palco abre novos caminhos ao ator, esse artista prepara-se para chegar a maturidade do teatro com sutilezas muito bonitas em suas concepções. 

O personagem tema é um grande ator, resta-nos saber se é mais vocação ou mais talento, ou se consegue unir os dois. Talvez tenha pesado um pouco a mão no interlúdio do espetáculo na primeira apresentação. Nicolas (**)(***)trabalhou a questão de leveza que já havia sido comentada, mas ainda pode aprofundar mais os pés na "terra". 

A cena de encontro entre Nerêncio e a Madrinha dos que não a tem, é emocionante, doce, grande! |Parabéns à Raquel Arigony (**)(***) pela leveza poderosa que coloca nesse tipo que acaba sendo a purgação dos erros humanos praticados contra o menino. Uma belíssima aula de humildade a que muitos deveriam se ater em uma bandeira contra a violência no mundo. Nerêncio jamais pensa em vingança, não por que é mais fraco que Neco, mas por que o mal gera mais mal, a vingança gera outra onde de ódio ainda pior e mais destrutiva.

Neco/Izidoro mostram as duas faces bem disparadas do interprete. Havia uma certa descontração no ator causada certamente por algo anterior ao espetáculo. CLéber Lorenzoni (*)(**) precisa separar o ator do diretor durante o espetáculo para o bem do todo. 

No elenco também Fabio Novello, em uma pequena participação enquanto corre para lá e para cá solucionando questões técnicas. Parabéns ainda a Ana Clara Kraemer que vem se destacando nos bastidores (***)(**)


O Melhor: O roteiro muito bem resolvido e escrito.

O Pior: O pouco aparato técnico, impedindo as possibilidades criativas do grupo.


O menino do pastoreio

Direção e texto Cléber Lorenzoni

Elenco: Nicolas Miranda

             Raquel Arigony

             Clara Devi

             Cléber Lorenzoni

             Renato Casagrande

             Fabio Novello

             Antonia Serquevitio

Equipe técnica

              Fabio Novello (***)(**)

              Ellen Faccin (*)(**)

              Kleberson Ben (**)(**)

              


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