1107-Dona Flica e seus dois maridos. (tomo 01)

                   


                                  Teatro Útil

                      Sempre que tento pensar em um bom teatro, mergulho no resultado dos estudos de grandes encenadores ou pensadores do teatro, como: Antoine, Craig, Stanislavski, Copeau, Meyerhold, Artaud, Baty, Brecht, Vilar, Grotowski, e outros tantos. O teatro que todos eles me propõe, fala de uma criatura que evolui do espaço de criação de um hipotético personagem para interprete de si mesmo. O espetáculo que estreou ontem, fala muito sobre esses interpretes de si mesmos. Um teatro com quatro atores maduros, todos eles com mais de quinze anos de envolvimento com a arte teatral. Atores maduros emanam respeito ao palco, pisam com segurança e consistência. No Máschara, a mais jovem é Raquel Arigony, que ainda assim, dividiu o palco com Cléber Lorenzoni de igual para igual, triangulando de forma certeira. Sua cuidadora conseguiu ser amorosa sem parecer piegas, ou seja, em nenhum momento subestimou a capacidade de sua paciente. Talvez ela devesse estar menos ausente durante os encontros entre a assistida e seus pretendentes, por outro lado, é de sua audaciosa iniciativa em desafiar a anciã, que nasce uma nova Flica.  As composições dos anciãos, são sutis e elegantes. Ainda que Flica e Gauchão sejam personagens que já existam, Cléber Lorenzoni e Renato Casagrande os colocam em situações inéditas criando ali nuances novas de suas criaturas anteriormente engendradas. Interessante como a criação de  personagens no teatro contemporâneo, divide-se em três linhas, sendo elas: a encarnação, o distanciamento e a interpretação de si mesmo. Nessa ultima, o ator mal se transforma, usando muito de si mesmo para aproximar-se da assistência. Flica e Gauchão  já são conhecidos do público o que é um dos pontos positivos da peça. Fabio Novello por outro lado, compôs em poucos ensaios uma figura divertida e coerente. Aliás o aparato todo diz muito sobre a sensibilidade depositada à obra. 

                        Dona Flica e seus dois maridos, é o quadragésimo segundo espetáculo da CIa.Máschara de Teatro e o 39º sob direção de Lorenzoni, se levarmos em conta os espetáculos da escola de teatro do Máschara- ESMATE. É interessante como o teatro é vivo, surpreendente e livre de rótulos, o que mais me atrai, aliás, na arte do teatro é que há sempre um novo mundo a disposição das plateias, de acordo com a criatividade de cada diretor. Lorenzoni é um diretor que brinca muito em cima das incoerências coerentes. Faz piada com nossos achismos e nos surpreende com coisas que jamais imaginaríamos ver em cena. 

                           Em meio ao evento sobre a "maior idade", para o qual fui convidada, o teatro acrescentou muito, seja nas dores, seja na singeleza, seja no gracejo. Rimos, não da velhice, mas das situações pelas quais os personagens passam. O espetáculo nos provoca a pensar na sexualidade e na paixão na maior idade. Lembranças tristes são convidadas a aterrissar, aliás, essa é uma das principais características do Máschara, driblar nossas vontades e nos empurrar para abismos, intercalados com o riso. 

                            A dona Flica, tão conhecida na praça, comandando a feira de livros, possui um passado, com irmãs, uma mãe zelosa, uma sobrinha que está nos Estados Unidos e um lar. Já na primeira cena o elenco nos faz chorar, nos afasta da zona de conforto e nos coloca em contato com nossas maiores dores, que na maioria das vezes está escondida em nossos armários mais íntimos, a falência física e mental de nossos pais.  

                            Talvez pudesse pedir à Raquel Arigony e Fabio Novello que enfrentassem, no bom sentido a plateia, trazendo mais o olhar para a audiência. Volumes também devem ser trabalhados para não haver discrepância.

                            O figurino e a trilha sonora compõe muito bem a ideia proposta, embora a velhice caminhe bem com as musicas atuais!  O figurino é bastante óbvio e não tem nenhum grande achado. Palmas para as trocas rápidas e elegantes de Dona Flica que adentra o palco como  uma vedete ou como a diva contemporânea que o interpreta.

                             Para encerrar preciso ainda elogiar a disponibilidade de um grupo que cria e produz, tanta arte, sem ônus algum, pelo único interesse de colocar atores no palco e nunca deixar o teatro adormecer.

                             O Melhor: A escolha do elenco.

                             O Pior: a iluminação que não auxiliava o espetáculo em nada.




Dona FLica e seus dois maridos

Texto e direção: Cléber Lorenzoni

Elenco: Cléber Lorenzoni (***) Fabio Novello(***) Renato Casagrande (***) Raquel Arigony (***)

Trilha Sonora: O Grupo. Operação: Clara Devi (**)

Iluminação: O Grupo

Contrarregragem: Antonia Serquevitio (*)

Figurinos : Renato Casagrande e Clara Devi

Cenário: Cléber Lorenzoni e Grupo

Caracterização: O Grupo




                             

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