Espetáculo convidado- Complexo de Electra - Grupo Teatral Grupo Máschara
Quando as portas do teatro João Pessoa se abrem, não apenas um lado, as duas folhas, você sente um arrepio, você olha para cima, para o teto pintado, para as galerias, para as cores... Impossível não sentir a energia, das milhares de pessoas, das centenas de espetáculos, da vida que há ali. Durante a semana toda na qual estive em Rosário, fiquei pensando como seria colocar ali nosso espetáculo uma única vez apresentado em palco italiano. Palco alto, distante do público, profundidade grande, e ao mesmo tempo espaço estreito. Como dar ao público exatamente as sensações que buscamos nos anos de pesquisa e construção de cada detalhe desse nosso bebê? Mas o teatro é esse salto mortal sem rede, esse saber que nos consome, esse arriscar que nos desafia. Você caminha para o patíbulo mesmo sabendo que ali pode se dar o seu fim.
As portas se abrirem com alguns minutos de atraso pois nossa equipe de iluminação tinha muitos detalhes para decidir, fazer conceções, aprender códigos e sobretudo, adaptar dentro das opções que tínhamos. Gratidão à Fabio Novello, Junior Lemes e Kleberson Ben, vocês fizeram o possível. Renato Casagrande/Henrique deu o tom do espetáculo no prólogo em que Orestes lê a carta enviada pela irmã que busca vingança. Acredito que Ivo Bender tentou retratar Pílades, que ergueu a faca ao lado de Orestes e que depois casou-se com Electra, através do seminarista interpretado aqui por Leonardo Teixeira. Nossa, seu Bender era muito inteligente. São muitas camadas, em um texto escrito há mais de dois mil anos. Quisemos levar apenas o mito, mas parece impossível não carregar uma bagagem de signos conosco. Ulrica, mãe dolorosa, esposa infiel, assassina impenitente, é junto a Medeia, Fedra e Electra, um dos mais complexos personagens femininos da tradição trágica ocidental, irmã de Helena, sim aquela belíssima que fez cair Tróia. Clitemnestra foi dada por seus pais Tíndaro e Leda, em casamento à Agamenon, que quando entra na banheira para morrer traz nos ombros a morte da filha Ifigênia. Inúmeros detalhes que tornam tudo mais apimentado e saboroso, melodramático, eterno... Como se não bastassem todas essas camadas, ainda havia nesse dia a estreia de Clara Devi, um importante membro de nossa Cia. teatral, Clara caminhava nos rastros de outra grande atriz Alessandra Souza, criadora do papel da heroína, e não deixou a desejar, na verdade encontrou seu tom trágico, e me deu uma Elektra de palco italiano, enquanto a outra me dera uma elektra de gabinete. Como diretor preciso agradecer a coragem, o desafio, o sacrifício. Foi como se Devi sacrificasse uma parte de si para chegar a sua Electra, talvez tenha sacrificado a Ifigenia (seu lado doce, meigo) que sempre vimos em Clara, para dar lugar a uma outra parte de si mesmo. A princesa sempre presa no sótão, quieta, que anda pelos corredores do palácio do Máschara, sem falar o que pensa ou sente, já que as vezes se sente explorada pela mãe, a poderosa Rainha de todo sempre. Mas Sua vingança, ou seu justiça foi feita quando ambas no proscênio são aplaudidas igualmente, provando que são realmente iguais, Clara e Cléber. Ufa!
Como tio Bertold, um Fabio Novello mais preparado, mais maduro, na ousada contravenção da direção que desrespeita as regras de Aristóteles e traz a morte para a cena. Ainda na principal circunstancia dada, ao modo do mestre Stanislavski.
Douglas Maldaner também amadureceu muito, na verdade ele é o micênico camponês casado com a princesa Electra e que na versão original narra os fatos conturbados da vida da mesma. Maldaner fica nu em cena, e enquanto colega de cena ousaria perguntar a ele, por que aceita ficar nu? A resposta, clara em sua mente, deve ser o fio que conduz sua trajetória no teatro.
Atrás das rotinas do palco, de suas fabulosas coxias e rotundas, pesadas, de veludo, que parecem descer dos céus e varrer as tábuas sagradas, correram muito Ana Clara, Roberta, Karina, Antonia Serquevitio, Carol Guma, correram de um lado para o outro, para levantar um sonho, trabalha-se tanto por algo que dura cinquenta minutos ou pouco mais, e parece que todos sofrem juntos, amadurecem juntos, espero que aprendam juntos. Poderosas partituras, físicas e vocais, Romeu Waier em uma participação muito especial que pontua sua carreira e desafios. Um brilhante colega de cena que em dois ensaios compôs a representação dos deuses sobre o palco, trazendo com ele toda a maldição das Erínias: Tisínea, Megera e Alecto, em uma cena que tem seu mote no trabalho visceral e na pesquisa antropológica, ainda que instintiva. Ulrica morre nos braços dos filhos e é devolvida ao esposo, mas as fúrias jamais perdoarão os netos de Tíndaro: -O olhar de nossa mãe me prosseguirá para sempre Ereda! Pronunciei meu texto com toda a força de meus pulmões, foi para isso que fui treinado, olhei com profundidade para cada colega e tentei fitar profundamente cada pessoa na plateia, foi isso que aprendi com o mestre Helquer Paez, improvisei quando o fogo invadiu o altar dos Deuses de Ulrica e tentei fazer parecer que era proposital ainda que minha mão esteja ardendo até hoje em mais uma das cicatrizes que o teatro vai nos dando. A curva se estabeleceu, o final teve sua apoteose e fiquei muito orgulhoso de minha prole, apesar de todos os sacrifícios. Sou muito grato a minha operadora de som Ellen Faccin, parece que a arte nela compreende muito bem minha arte em cena. É importante saber que na arte um depende sempre do outro, em uma linha muito tênue...
No Máschara há uma cartilha, preparada durante muito tempo, para manter algumas regras de convívio e produção. Não podemos viver lutando por uma economia criativa e nos comportando como um grupo de adolescentes que vai atrás de uma "tia" imaginaria fazer seu teatro, precisamos buscar o profissionalismo, lutar por um plano de carreira. Ao contrário do que se diga, aqui não é o lugar do tudo pode. Não é o espaço da libertinagem ou da brotheragem. Quero por tanto parabenizar Renato Casagrande e Fabio Novello por serem peças chaves e torcer que Clara Devi e os que vem chegando, Klebersona Ben que agora passa a ser parte da família, compreendem sempre que são das regras que nascemos e nelas nos fortalecemos, ou seriamos apenas um grupo de amigos tento um hobby. Teatro pode ser um hobby, mas essa palavra pode passar uma ideia de que tudo bem ser feito de qualquer jeito, e não, não, não, trata-se da nossa profissão. Fazer parte de um grupo de teatro, ou participar de uma peça é muito fácil, mas lutar por um sonho, por uma pesquisa, por uma transformação, isso não é muito fácil, e exige dedicação.
Obrigado ao festival por me homenagear em vida, obrigado pelo carinho dos grupos de teatro, de quem sou eterno fã, tentei imaginar que tudo aquilo era para minha querida Ulrica e as dores que sofri para pari-la, para lhe permitir ocupar minha mente. Obrigado ao meu grupo por cada tapa, cada esfolar de joelhos, cada empurrão, por tudo ser verdadeiro e matar minha fome, minha sede, minha ânsia. Aos nossos pés estava minha querida DUlce Jorge, nossa Gaia, observando cada gesto, cada sonoridade, cada gota de suor, dali partiu tudo, por isso a amo e odeio, é preciso ter força contrária para sermos dignos do palco. Evoé!
Lindo, Perfeito Rainha, não tem como não se emocionar em quanto lê,a cada trecho um Flash na memória!!!
ResponderExcluirEvoé!