1172-A paixão de Cristo- O Julgamento do Messias= tomo III

                                  Com a ausência de nossa costumeira critica teatral, durante nossa estadia em Nova Araçá, cabe a mim enquanto diretor, analisar mais uma apresentação da pequena turnê A Paixão de Cristo. O lugar de diretor, me permite, enquanto me impõe, observar todos os colegas atores, com seus talentos e qualidades. Um espetáculo das proporções de O Julgamento do Messias, acaba por ser um bom momento para um diretor rever sua arte, questionar a importância de seu trabalho, analisar a complexa relação entre talento e técnica. 

                                É minha sexta Paixão, e para isso contei com grandes apoios: Com meu companheiro talentosíssimo, o ator Renato Casagrande, com meu ancião Fabio Novello, um artista único, um verdadeiro Magayver com papelão. Não tive esse ano, os conselhos pertinentes da Rainha Mãe, Dulce Jorge, ou a presença desafiadora e eloquente da Anciã Alessandra Souza. Também não esteve comigo a intensa Angélica Ertel. E pouco participou do processo o ancião Ricardo Fenner. Anciãos necessários, que muitas vezes me dão a noção perfeita do certo e do não tão certo. Virei-me eu portanto com meus próprios conselhos, com meus fantasmas. Elencar uma verdadeira população de mais de vinte atores, depende de "n" fatores, pois eles serão a massa que dará forma ao seu filho, sua cria, seu espetáculo. Uma obra que ficará por muito tempo na mente das pessoas, que ficará imortalizada em fotos. Pessoas em suas casas falarão sobre sua obra, dirão coisas sem nexo, analisarão como se grandes diretores ou conhecedores das técnicas teatrais fossem. Dirão palavras vazias como: gostei, ou não gostei. Não sabiam elas que teatro não fora feito para ser gostado. Te trarão desenhos de roupas, dicas de musicas... Copiarão falas da bíblia para te oferecer. Serão todos grandes dramaturgos e desrespeitarão continuamente teu lugar de diretor. Esquecerão que eles estão em tua peça, que como em um prato de salada você pode trocar maionese por requeijão e ainda assim a salada acontecerá...

                                       A maioria dos atores, são criaturas contraditórias e paradoxais, que não gostam de ensaiar muito, ou de ler, ou de estudar. Mas todos querem um lugar ao sol, uma foto na rede social, vê-se pelo alto número de publicações depois da estreia, já que todos querem ser lembrados, imortalizados. São os tempos modernos, o suspiro cênico importa menos que uma boa postagem. Aquele prazer sentido durante os cento e oitenta minutos, é nada perante uma publicação que gerará curtidas. 

                                           O que a rainha não vê enquanto público, é o bastidor, e esse é único, inesquecível, chocante até, eu diria. Lá você vê o melhor e o pior do ser humano. As pequenas idiossincrasias, os egocentrismos, o despreparo de alguns. A ansiedade, o virtuosismo, o coleguismo de outros. O Teatro não é o produto de uma mente criativa, revolucionária e expressiva, mas o produto plural de um grupo de pessoas com suas verdades e vivencias. A gentileza e caridade de um enorme grupo de pessoas em receber ordens, críticas, dicas, regras, é talvez a base de um produto tão grandioso. A possibilidade da cada um vencer suas pretensões, suas asperezas. Construir juntos. Criar juntos. Como eu me vejo criando ao lado de Nicolas Miranda, de Carol Guma, de Clara Devi, três forças poderosas sobre o palco, cada uma com sua própria energia,  seu próprio amadurecimento humano. A educação e disponibilidade de Ellen Faccin e Junior Lemes ajuda, produz, pois formaliza o trabalho e rege as relações. No palco cada um dá o que tem de melhor dentro de si, cada um se esforça o quanto pode, porém, alguns demoram mais tempo para saber como se esforçar, para saber quanto de si podem dar. Exemplos disso são Mari Valandro, Ana Luísa, Rafaello Fiuza, Duda MArtins. Os quatro se descobrindo, a cada apresentação se disponibilizando mais. O prazer de se trabalhar com quem começa é a dádiva de ver o ator que ainda não se esparramou e o quanto ele tem prazer e descobrir cada espaço do palco, cada realização que alcança. Atores mais velhos perdem um pouco da deliciosa experiência em olhar para uma escadaria e pensar: Como farei isso? Como conseguirei dar conta?- Atores velhos não tem mais essa descoberta. Seu corpo habituou-se a dar respostas prontas. O que muitas vezes é o que faz os atores mais antigos estagnarem. Boa parte  dos problemas  encontrados é a dificuldade em ouvir, um ouvir o outro, ouvir, escutar. Alguns querem ser prestativos e impedem colegas de pensar, de raciocinar. Outros querem sempre dar a resposta final, não reconhecendo seu lugar de atores iniciantes. Há ainda quem quer ir pelo caminho mais simples do raciocínio, pelo econômico. Alguns são preguiçosos e não produzem arte, produzem um barulho, um farfalhar que precisa ser preenchido pela boa atuação de outros colegas, o que realmente exige mais energia ainda dos bons atores. 

                         É preciso dançar, dançar as melodias sobre o palco, deixar-se levar. Não ser pequeno em cena. Pensar grande e não ter medo do diretor, jogar-se como Romeu Waier, em seu Pilatos, fechar os olhos para si e admirar os colegas, ver os colegas, isso sim nos torna melhores no palco. Durante anos eu subi no púlpito e mostrei, e dei pronto, dei dicas usando meu próprio corpo como exemplo, agora temos tantos exemplos para ver. Por que não os vemos?

                           Felipe Brandão,  Bibi Prates, Valentina Lemes, Ravi Dantas e Lola Serquevitio nos trouxeram a leveza necessária, vê-los encenando nos mostra que estamos passando, que a cada dia há menos tempo, que precisamos nos esforçar mais se queremos marcar, pois logo chegarão outros, prontos, e nosso trabalho terá se cumprido. Ao mesmo tempo é preciso ter paciência. A doce paciência de Raquel Arigony, que sabe muitas vezes que não há como lutar contra certas coisas, é preciso largar-se no mar, deixar que a água nos conduza e águas bem trabalhadas, águas técnicas certamente nos conduzem ao lugar certo. 

                   É preciso reconhecer nossas capacidades, e compreender para quais papéis servimos, para grandes escadas? Ou para protagonistas? O que viemos fazer no palco? Qual nosso papel na engrenagem? Não dá para todos serem protagonistas, até por que alguns não tem energia para isso, força para isso, culhões para isso, gana para isso. É preciso servir na cena, o teatro é como uma grande tapeçaria: alguns são linhas, outros agulhas, outros tecidos, outros tesouras, cada um te sua função. E assim é...

                     Todo grupo teatral deve ter em sus fileiras, grandes divas, os bobos da corte, os técnicos, os pretensiosos incapazes, as ambiciosas camareiras, os pândegos, e uma gama de figuras que povoam nosso consciente coletivo e que foram se somando em mais de dois mil anos de teatro. Essa verdadeira fauna é quem gera os temas dos mais absurdos espetáculos, pois o teatro colhe ali as posturas para suas personagens. Seus perfis é que dão vida à criação dos dramaturgos. As Marias de 2017/2018/2019/2021foram escritas para Dulce Jorge, o Herodes de 2022 foi escrito para Romeu Waier, o Lázaro de 2023 foi escrito para Duduzão, e muitos outros foram assim feitos. Outros personagens vão se adaptando às capacidades dos artistas. As vezes o diretor põe na cabeça que determinado personagem deve ser interpretado por um certo ator ou atriz, as vezes simplesmente não rola! E está tudo bem, é muito mais sobre expectativas do diretor do que sobre capacidades dos atores. 

                        Mas um ator ou atriz deve trabalhar sempre para estar a altura das necessidades de sua Cia. ou chegará o momento que irá para a geladeira e o produtor terá que convidar outros artistas. 

                         No paradoxo de uma grande produção bem ensaiada, há os ajustes, os agregados, os apoios, o amor! O carinho de quem chega de última hora, como Luana Chaves, Stalin Ciotti, Marli Guma, Lili Dantas, Anderson Bottega, Ana Luísa Kraemer, Duda Martins, Marcel Prates, Henrique Lanes e até Alessandro Padilha. Lembremos sempre que há dois teatros acontecendo, um é o teatro que eu ser pensante quero fazer, para preencher minhas necessidades enquanto artista, ou enquanto ser carente que precisa de aceitação, reconhecimento e tal. Outro teatro é aquele que minha equipe deve produzir, baseado em patrocínios, contratos, talentos etc... A engrenagem é muito grande e vai passando, nós precisamos pensar como ajudar e onde devemos nos sentar, há sim lugares marcados, e lugares a se conquistar. Um bom espaço conquistado foi o de Douglas Maldaner e o de Kleberson Ben Borges. Eu, sou há mais de vinte anos professor de teatro, ainda não sou o bom professor que um dia quero ser, o "mestre", mas me orgulho em ver alunos como Pedro Oriati, e Ana Clara Kraemer aprendendo e contracenando comigo. Sobre isso preciso parabenizar Antonia Serquevitio, Fabio Novello, Lola Serquevitio, Renato Casagrande, Ana Luísa e Romeu Waier, que me viram em cena. Não apenas me olharam, mas me viram. Elogiar a lealdade e a fidelidade que são tão importantes para um diretor, a fidedigna confiança, que faz o ator ou a atriz mergulhar. 

                          Anderson Botega foi um bom soldado, Henrique Arigony foi um corajoso interprete, Pedro Junior foi um ótimo Labão. Eu fui um razoável Jesus, o melhor que pude ser, graças ao coletivo, aos tapas verdadeiros, às chicotadas verdadeiras, ao olhar dos colegas de cena, que felizmente não estavam preocupados com o pão na ceia e sim em me ouvir, estava bem maquiado graças ao trabalho de Fabio Novello, estava bem tranquilo pois sabia que após o trabalho os colegas carregavam e cuidavam muito bem dos adereços e cenários, nãos os esquecendo e sem preguiça de leva-los para o ônibus.  Estava pleno, vendo o Sr. Prefeito de Nova Araça emocionar-se ao final do espetáculo e pensando: Texto Poderoso, feliz do que teve sua catarse. 

                               Henrique Arigony, Rick Lanes e Romeu Waier aprenderam textos no ultimo dia e lhes sou muito grato. Sou grato aos Deuses que me permitem chegar à sexta edição. Sou grato aos públicos que diz amar nosso trabalho. Uma vez uma mãe me disse, quer me amar? Ame meu filho! Sou grato a quem ama meu filho chamado Máschara!!!! Resta agora descobrirmos o real sentido da palavra amor.

                         

                   

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