Brecht e o Teatro Épico
O presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre a forma épica de teatro, tendo como parâmetro o dramaturgo Bertold Bretcht e sua peça didática A Exceção e A Regra , de 1930, estreada em 1938, em hebraico, e em 1956, em alemão.
Essa peça é um exemplo clássico de todo o estilo brechtiano de fazer teatro, e um teatro pedagógico. Antes de se iniciar a trama, há um riquíssimo prólogo epistemológico, que nos orienta e convida a perder a ingenuidade e desconfiar de tudo. É essencial esse prólogo para que a estória seja concebida com uma expectativa crítica. Assim, já de início, somos alertados: “achem estranho aquilo que não é estranho, achem difícil de explicar o que é comum, e difícil de entender o que é a regra”, e ainda: “Nunca diga: isso é natural “.
E a trama tem início com uma expedição que parte em busca de consumar um lucrativo comércio em uma cidade chamada Urga. Vários comerciantes partem rumo a essa jornada, cada qual em sua caravana. Uma dessas em especial são os protagonistas da estória, composta de um comerciante, um guia e um carregador. O enfoque em transparecer a luta de classes é bem claro durante todo o desenrolar da trama, desde o início da empresa até o julgamento do comerciante, quando se demonstra que “o abuso é sempre a regra ”. Esse era um dos julgamentos desta peça teatral.
Quanto ao teatro em geral, o dramaturgo alemão exigia dos atores uma interpretação singular, tomando como incentivo o exemplo da reação de pessoas envolvidas em um acidente de trânsito. Pedia que se notasse como essas pessoas, em situações reais, contavam estórias, suas versões da realidade, que notassem como elas se expressavam, e nem eram atores teatrais. Logo, se aquelas pessoas podiam convencer em suas interpretações, um ator deveria fazer melhor, reviver o acontecimento, contagiar o público. Contudo, o espectador deve se manter distanciado desse envolvimento. O ator era um foco essencial para Brecht, um instrumento para construção de sua teoria.
Brecht reformula a produção teatral de uma forma única, desde os temas até a forma como é conduzido o desenrolar da peça. Em A Exceção e A Regra podemos notar como a estória se quebra intencionalmente, a peça retrocede e avança, para que o espectador não entre mesmo muito no embalo e não se perca na fantasia, em um estado de dormência. O espectador deveria estar consciente para refletir. Brecht faz questão de distanciá-lo, para que ele esteja de volta ao mundo real, onde o teatro é uma imitação desta realidade. Não deveria haver vínculo entre espectador e ator.
A intervenção do narrador é também uma característica da forma épica de teatro. Desde o primeiro momento, na referida obra, é-nos avisado que o tema será uma viagem realizada por um explorador e dois explorados, que há algo de anormal ao que se mostrará normal, adverte-nos a olharmos desconfiados para tudo, nessa época de desordem ordenada e humanidade desumanizada.
A interpretação do ator referente a um determinado personagem, por sua vez, deve ser uma relação de interiorização de situações, não de identificação com o personagem. O distanciamento também se dá entre ator e personagem. Para tanto, Brecht adotou o método da Terceira Pessoa e o do Tempo Passado, para auxiliarem no processo de distanciamento. O primeiro método permite um alheamento e objetivação, o ator reflete sobre o que o personagem faria se estivesse em tal situação, etc. O outro método citado dá uma idéia de retrospectiva dos acontecimentos. Assim como um historiador reflete sobre fatos de um passado distante, assim o ator coloca o personagem em relevo e o distancia, como algo que já aconteceu, que está no passado. Por último, há o método das Conversações e Comentários que consiste em falar sobre a direção cênica, colocar duas intenções (a do ator e a do texto) em uma situação antagônica.
Engana-se quem pensa que toda essa forma teatral de distanciamento não provoque emoções no público. Outras emoções são despertadas que não as do teatro convencional. O despertar crítico é também uma manifestação artística.
Quanto à etapa cênica, o ator deve transparecer claramente que ele não é o personagem que representa, que aquilo tudo é um teatro, que ele não está enganando a ninguém nem a si mesmo na transformação do personagem. Seu trabalho técnico é transmitir ao espectador o personagem de maneira mais autêntica possível. O teatro é imitação. No caso brechtiano, também é uma crítica social.
Enquanto na forma dramática de teatro, o ator deve atuar, incluir o espectador na estória, provocar nele sentimentos de modo sugestivo, no teatro épico, o ator narra, faz do público um observador, desperta nele uma atitude, a rever o mundo. Quanto à trama, observa-se no teatro dramático a necessidade de se criar um conflito para que a estória se desenvolva, o progresso desta é linear, uma cena condiciona a seguinte, a estória evolui, e precisa ter um desfecho moral, baseado nos bons costumes, vencendo o bem e derrotando o mal. Já no teatro épico, os acontecimentos não são lineares, cada cena se desenvolve por si mesma, e as sensações provocadas ficam no nível da consciência. E quanto à visão de humanidade, no drama, o homem é algo conhecido de antemão, imutável, fixo, seu pensamento determina o ser, o sentimento o envolve. Para o épico, o homem é um objeto de investigação, está em estado de processo, pode modificar e ser modificado, e o ser social é que determina o pensar, a razão o envolve. Não há o fatalismo dramático e positivista, mas uma indeterminação do ser, praticamente um caos weberiano.
Com isso, A Exceção e A Regra é uma demonstração da forma épica de fazer teatro, com o simbolismo dos personagens demonstrando o capitalismo e os explorados pelo sistema e como isso influencia no comportamento e julgamento humanos.
O presente trabalho tem como objetivo discorrer sobre a forma épica de teatro, tendo como parâmetro o dramaturgo Bertold Bretcht e sua peça didática A Exceção e A Regra , de 1930, estreada em 1938, em hebraico, e em 1956, em alemão.
Essa peça é um exemplo clássico de todo o estilo brechtiano de fazer teatro, e um teatro pedagógico. Antes de se iniciar a trama, há um riquíssimo prólogo epistemológico, que nos orienta e convida a perder a ingenuidade e desconfiar de tudo. É essencial esse prólogo para que a estória seja concebida com uma expectativa crítica. Assim, já de início, somos alertados: “achem estranho aquilo que não é estranho, achem difícil de explicar o que é comum, e difícil de entender o que é a regra”, e ainda: “Nunca diga: isso é natural “.
E a trama tem início com uma expedição que parte em busca de consumar um lucrativo comércio em uma cidade chamada Urga. Vários comerciantes partem rumo a essa jornada, cada qual em sua caravana. Uma dessas em especial são os protagonistas da estória, composta de um comerciante, um guia e um carregador. O enfoque em transparecer a luta de classes é bem claro durante todo o desenrolar da trama, desde o início da empresa até o julgamento do comerciante, quando se demonstra que “o abuso é sempre a regra ”. Esse era um dos julgamentos desta peça teatral.
Quanto ao teatro em geral, o dramaturgo alemão exigia dos atores uma interpretação singular, tomando como incentivo o exemplo da reação de pessoas envolvidas em um acidente de trânsito. Pedia que se notasse como essas pessoas, em situações reais, contavam estórias, suas versões da realidade, que notassem como elas se expressavam, e nem eram atores teatrais. Logo, se aquelas pessoas podiam convencer em suas interpretações, um ator deveria fazer melhor, reviver o acontecimento, contagiar o público. Contudo, o espectador deve se manter distanciado desse envolvimento. O ator era um foco essencial para Brecht, um instrumento para construção de sua teoria.
Brecht reformula a produção teatral de uma forma única, desde os temas até a forma como é conduzido o desenrolar da peça. Em A Exceção e A Regra podemos notar como a estória se quebra intencionalmente, a peça retrocede e avança, para que o espectador não entre mesmo muito no embalo e não se perca na fantasia, em um estado de dormência. O espectador deveria estar consciente para refletir. Brecht faz questão de distanciá-lo, para que ele esteja de volta ao mundo real, onde o teatro é uma imitação desta realidade. Não deveria haver vínculo entre espectador e ator.
A intervenção do narrador é também uma característica da forma épica de teatro. Desde o primeiro momento, na referida obra, é-nos avisado que o tema será uma viagem realizada por um explorador e dois explorados, que há algo de anormal ao que se mostrará normal, adverte-nos a olharmos desconfiados para tudo, nessa época de desordem ordenada e humanidade desumanizada.
A interpretação do ator referente a um determinado personagem, por sua vez, deve ser uma relação de interiorização de situações, não de identificação com o personagem. O distanciamento também se dá entre ator e personagem. Para tanto, Brecht adotou o método da Terceira Pessoa e o do Tempo Passado, para auxiliarem no processo de distanciamento. O primeiro método permite um alheamento e objetivação, o ator reflete sobre o que o personagem faria se estivesse em tal situação, etc. O outro método citado dá uma idéia de retrospectiva dos acontecimentos. Assim como um historiador reflete sobre fatos de um passado distante, assim o ator coloca o personagem em relevo e o distancia, como algo que já aconteceu, que está no passado. Por último, há o método das Conversações e Comentários que consiste em falar sobre a direção cênica, colocar duas intenções (a do ator e a do texto) em uma situação antagônica.
Engana-se quem pensa que toda essa forma teatral de distanciamento não provoque emoções no público. Outras emoções são despertadas que não as do teatro convencional. O despertar crítico é também uma manifestação artística.
Quanto à etapa cênica, o ator deve transparecer claramente que ele não é o personagem que representa, que aquilo tudo é um teatro, que ele não está enganando a ninguém nem a si mesmo na transformação do personagem. Seu trabalho técnico é transmitir ao espectador o personagem de maneira mais autêntica possível. O teatro é imitação. No caso brechtiano, também é uma crítica social.
Enquanto na forma dramática de teatro, o ator deve atuar, incluir o espectador na estória, provocar nele sentimentos de modo sugestivo, no teatro épico, o ator narra, faz do público um observador, desperta nele uma atitude, a rever o mundo. Quanto à trama, observa-se no teatro dramático a necessidade de se criar um conflito para que a estória se desenvolva, o progresso desta é linear, uma cena condiciona a seguinte, a estória evolui, e precisa ter um desfecho moral, baseado nos bons costumes, vencendo o bem e derrotando o mal. Já no teatro épico, os acontecimentos não são lineares, cada cena se desenvolve por si mesma, e as sensações provocadas ficam no nível da consciência. E quanto à visão de humanidade, no drama, o homem é algo conhecido de antemão, imutável, fixo, seu pensamento determina o ser, o sentimento o envolve. Para o épico, o homem é um objeto de investigação, está em estado de processo, pode modificar e ser modificado, e o ser social é que determina o pensar, a razão o envolve. Não há o fatalismo dramático e positivista, mas uma indeterminação do ser, praticamente um caos weberiano.
Com isso, A Exceção e A Regra é uma demonstração da forma épica de fazer teatro, com o simbolismo dos personagens demonstrando o capitalismo e os explorados pelo sistema e como isso influencia no comportamento e julgamento humanos.
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