Depois de um mês sem Cena às 7, o
Máschara voltou ao palco com Esconderijos do tempo, um espetáculo
característico da transição de um grupo formado dentro do teatro amador para o
ambiente do teatro profissional. Um
espetáculo com tão pouca preocupação comercial e ao mesmo tempo tão disposto a
ousar, só poderia ser feito por um grupo repleto do idealismo do teatro amador,
um pouco longe das considerações econômicas que logicamente regem a escolha de
um repertório profissional (Isso em
questões de custos, não de qualidade).
O espetáculo escrito por Dulce
Jorge e Cléber Lorenzoni, inspirados na obra de Mario Quintana, é de um talento
plástico ímpar e de estremo bom gosto. A direção e a concepção de Esconderijos
do Tempo são extremamente felizes. Mesmo após 68 encenações, ainda há no espetáculo
um cheirinho de coisa nova, recém-saída do forno. O elenco não parece cansado,
robotizado pela repetição, pelo contrário, adentra a cena com um calor todo
novo, uma inspiração motivadora.
O espaço cedido por Marcos Gruhum,
a meu ver não é adequado para o teatro, claro que algumas pessoas dizem que o
teatro pode acontecer em qualquer lugar. Isso é ignorância certamente, pois
logicamente cada espetáculo se presta ao espaço adequado para aquilo que foi pré-concebido. A equipe do Máschara consegue rapidamente
transformar o espaço, no entanto a proximidade da rua, a falta de acústica, o
espaço demasiado grande, são enfim, coisas que atrapalham o espetáculo. No entanto tudo ocorreu bem, o que é reflexo
de uma equipe organizada e de um planejamento
rigoroso.
Um dos grandes problemas do
teatro no interior, é a falta de atores tecnicamente preparados. São raros os
casos em que a direção, pura e simples, é suficiente para a realização de um
espetáculo. Via de regra, torna-se necessário
que o diretor seja, na realidade, um preparador de atores, quase um professor. Isso
valoriza ainda mais o trabalha da direção do Máschara principalmente pelo fato
de que com a constante partida de atores, já que a profissão é tão incerta,
precisa estar sempre preparando novos atores.
Um desses casos é Fernanda Peres, que as pressas, com nove ensaios,
subiu ao palco como “Glorinha”. (**) A atriz já nos é conhecida por outras
substituições, mas o trabalho que conseguiu fazer dessa vez é no mínimo surpreendente.
Esteve ótima, entregue, e nos convenceu muito bem como a geniosa namoradinha do
poeta. Precisa apenas apresentar mais vezes o espetáculo para que a organização
flua melhor. Alessandra Souza esteve
plena, a cena do “peixinho” foi delicada e singela. (***)A afinação melhorou
muito, os tempos, a noção de espaço e o senso cênico.
O Mario Quintana que nos foi dado
nessa apresentação trouxe um colorido novo, mais cômico e menos depressivo,
muito mais interessante, com um senso de humor perspicaz e inteligente. Para os
atores do Máschara sempre é um bom momento para descobrir novas nuances em uma
interpretação. (**) O volume de voz desse ator deve servir de exemplo e
inspiração para os mais jovens. Roberta Queiroz esteve afastada do palco por
muito tempo, vejo nela menos de composição, mas muito de postura. Sua passagem
pelo palco foi simples mas intensa. Isto sem falar no senso organizacional que
essa atriz tem nos bastidores. (***). É preciso estar atento a influência do
amadorismo. Não falamos do amadorismo em tom de menosprezo, pois acreditamos
que o teatro amador alcança muitas vezes, níveis surpreendentes; mas o que
esperamos realmente de um teatro profissional
é uma sistematização, uma segurança, um acabamento técnico de ator e
equipe técnica, que nos dê a certeza de que noite após noite, meses a fio, o
espetáculo será o mesmo. O ator não pode se dar ao luxo de um dia não estar bem
e por isso fazer incompetentemente sua parte, seu trabalho. Principalmente se
está comercializando ingresso, cobrando entradas. Luis Fernando Lara não conseguiu grandes proezas em cena, fez sim sua parte, mas poderia ter marcado mais, a figura que compunha era coerente e preenchia as necessidades da personagem, mas ultrapassando a questão física, poderia estar mais dentro do papel. Ora seu Gouvarinho é um ótimo personagem, cômico, marcante. Nando Lara já fez parte do espetáculo no passado e deveria ter trazido mais saudosismo, mais nostalgia para a cena. O longo texto sobre "Bilú" passou mal compreendido e aseu soneto foi um tour de force.(**) Renato Casagrande é um grande ator, em continua ascensão, vem compreendendo melhor o oficio, se dedicando e logo estará preparado para qualquer papel. O anjo Malaquias tem força, presença, mas há algo de equivocado por parte da direção, em sua primeira aparição em cena. (**)
Uma das últimas cenas do espetáculo cabe a Dulce Jorge, uma atriz sutil que sempre alcança o esperado em suas atuações, Dona Glorinha é graciosa e toca sublime o expectador. (**) Essa compreensão vem de sua maturidade cênica, de quem dedica mais de vinte anos ao fazer teatral. Na parte técnica Gabriela Oliveira (**) e Ricardo Fenner (**) não alcançaram grandes picos com luz e som, provavelmente por que também acumulem as funções de Camareira e Empresário. O grupo Máschara tem essa lacuna, um iluminador que assuma a responsabilidade inteira da iluminação, que crie, atue com a luz, cause climas. A sonoplastia agradável com Albinone, Massanet e outros, deveria ser mais sutil, delicada. Entrar com alma, a alma com a qual Alessandra Souza fazia em outrora, a sonoplastia.
Esconderijos do Tempo foi, é e sempre será um grande espetáculo, e jamais deve ser abandonado, é o legado que um grande grupo deixa em prol da poesia.
A Rainha
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