Definição Estudo Melodrama


O Melodrama tem sua origem associada à ópera. Também à opereta e à ópera popular italiana – remontando ao século XVII – que une música e texto, o que ajuda a compor mais tarde o estilo que tratará da melodia do drama. O movimento estético aparece com força na Alemanha e França, nas últimas décadas do século XVIII. Mas se impõe como estilo artístico no XIX, através da forma final francesa - caracterizada pelas encenações populares dos Boulevards (du Crime) - e ao lado do drama romântico.No Melodrama os problemas do povo são argumento dramatúrgico principal, e não apenas suporte das histórias da classe dominante. O atual operariado vem de um passado de desilusões, onde a Revolução Francesa - e seus ideais de Liberdade, Igualdade e Fraternidade - prometera apoio à plebe em detrimento das regalias da nobreza, mas o que fez foi uma mera troca de papéis, com a burguesia agora ocupando o lugar da corte. Assim, acompanhando o movimento Romântico emergente, nasce um estilo que trata dos grandes sentimentos humanos, após um século de cientificismo, racionalismo e frustrações para o povo.As Companhias de Melodrama faziam parte da mesma classe social que as personagens do seu drama. Os atores melodramáticos atuavam para a massa miserável e honesta que amavam, e não para a burguesia e corte, e tratavam em suas peças destas personagens, expondo na trama os seus conflitos cotidianos. No Melodrama aparece temática do povo numa forma que lhe é estranha – a aristocrática: a escola melodramática é ingênua no seu propósito ideológico de representar o pensamento do povo, pois imita a estética do patrão como a ideal, alienada de que esta é uma maneira de perpetuar o conteúdo do poderoso. Assim, o operário está em cena numa troca de papéis com aristocracia, expondo de forma sentimental e óbvia seus problemas diários, sem uma leitura crítica e consciente deles. Orientado por um passado de submissão e servilismo, identifica-se cegamente com as formas aristocráticas, e parece desejar mais desbancar seus representantes e tomar o seu lugar, do que necessariamente destruir este universo para construir um novo.As personagens recebem um tratamento moralista e maniqueísta - existe o grupo dos bons e dos maus, dos heróis e dos vilões – e o senso de justiça é exacerbado – o vício será punido e a virtude recompensada. A antiga aristocracia e os poderosos em geral são colocados no grupo negativo, e a plebe no positivo. Não existe leitura humana destas figuras: ou são malvadas, ou são bondosas. Se porventura algum poderoso é apresentado de forma favorável, é porque irá se apaixonar pela pobre donzela e carregá-la – junto com sua família – para o conforto do seu palácio. As matrizes temáticas preponderantes são a pobre mulher que é obrigada a prostituir-se e abandonar seu filho; a velha senhora doente que é despejada por não poder pagar a sua renda; os dois gêmeos deixados na porta da Igreja numa noite fria de Natal e separados, reencontrando-se depois de vinte anos... Os conflitos são encenados até as últimas conseqüências, tudo sobre o fato ali em cena é dito, não sobrando um centímetro de suposição para a imaginação do espectador. Apesar da tão comentada fragilidade do argumento e texto melodramático, sua permanência explica-se provavelmente por ter nascido de um desejo genuíno de valorização de uma classe. O ator e sua performance, o domínio técnico do seu corpo e da sua voz, honrava indiretamente a audiência que o assistia, ao se ver representada com glamour e profissionalismo no palco. O contato efetivo e a identificação com a platéia eram inquestionáveis.Se a dramaturgia é pobre, os espetáculos são vivos, com roteiros onde o ritmo é estabelecido pelo contraste entre momentos de desespero ou tristeza seguidos por ápices de euforia ou contentamento. As Companhias de Melodrama eram geralmente pobres, e quando são transferidas do boulevard para o prédio teatral, não têm recursos para investir nos aspectos materiais da encenação. Em função do valor dos ingressos, seus colegas de classe sentam-se nas últimas e altas galerias do teatro e – segundo Gaulier – “geralmente estão cansados depois da labuta, às vezes sonolentos, às vezes bêbados”. Em virtude da distância e da escuridão dos teatros, cria-se um estilo ampliado em gestos e voz e projetado, isto é, endereçado ao alto daquela arquitetura. No melodrama tudo é muito, muito exagerado.Os atores destacam-se pelas suas virtuosas atuações, não constroem personagem e sim atitudes padrão para os tipos elaborados através de uma ótica dual: o conde explorador, a enfermeira bondosa, etc. Começam a desenvolver habilidades para identificação da personalidade, preocupando-se em mostrar como a florista rega suas flores, de que forma o malvado estrala seu chicote, etc. Assim, embora com uma dimensão gigantesca, o gesto mais próximo do cotidiano vai sendo introduzido na cena, ora gerado pela necessidade de comunicação efetiva desta população teatral com sua platéia querida, ora pela dimensão mais íntima dos assuntos ali tratados, preparando o terreno para a ação naturalista.Até então o tratamento dado ao oprimido, ao menor na escala social, era como contraponto ou coadjuvante da cena oficial (os demônios bufos dos autos sacramentais da Idade Média, o bobo em Shakespeare), como tipo representativo do teatro popular (os zanni na Commedia dell’Arte), como figura da cena paralela, apartada das peças oficiais (expressões autônomas do mimodrama da Antigüidade, da bufonaria das praças medievais, dos saltimbancos e palhaços de feira). Em função da popularidade e habilidade interpretativa, o Melodrama começa gradativamente a sair dos boulevards e a ser apresentado nos grandes teatros, incorporando-se ao ambiente da encenação principal. Ao colocar o oprimido como protagonista da peça oficial, afasta por os grandes heróis, deuses e reis do palco - com suas questões abstratas e existenciais - e aproxima o homem comum e mundano, com seus motivos sentimentais e concretos, embora ainda obedecendo na forma exterior a estética dominante. As convenções abstratas, os códigos e as estilizações da antiga cena vão sendo gradativamente substituídos por ações muito próximas das reais, definindo uma forma grandiloqüente mas não transformada ou alterada em códigos significativos, apesar da imponência do estilo. O Realismo se ocupará de reduzir esta ação.A atuação melodramática pode ser abordada a partir de um caminho sensível, fazendo o ator acreditar na sua técnica e trabalhar seu virtuosismo de forma sincera, evitando o deboche e a paródia ao estilo, a “canastrice” - que não deixa de ser uma avaliação crítica a ele. Deve procurar um ponto de identificação com a narrativa. Enfatizo a ação bem construída e a pausa sugerida por pontos fixos - que é o momento onde o ator dialoga corporalmente com a audiência e pela sua resposta pode medir o nível de comunicação com ela. É um teatro de muita ação e pouco texto; atenção ao silêncio e respeito ao tempo das palavras. Não há construção naturalista de personagem e sim elaboração de atitudes para figuras específicas - há o ator no palco, mostrando sua magnificência e sua habilidade interpretativa, com seu corpo dançando a melodia do drama.. Divertindo-se em ser grande e exagerado. Melodrama é uma lição maravilhosa de atuação.Na construção do corpo melodramático, observa-se: suspensão e sustentação corporal; habilidade em manusear diversos pontos fixos para estabelecer o contínuo comentário mudo com a platéia (olhar o vilão-olhar a platéia e mostrar que não gostou dele-olhar o vilão-olhar a porta por onde posso escapar-olhar a platéia e através da expressão comentar esta decisão); projeção e recolhimento do peito a fim de expressar emoções; uso potente da voz e gestual amplo para atingir as últimas galerias do teatro; inclinações da cabeça para definir atitudes-piloto das personagens; oposições corporais a fim de expressar conflitos internos e externos.Para tanto, a instrumentalização técnica conta com: ondulação da coluna vertebral e seccionamento dos membros a partir dos movimentos articulares e musculares na região da cabeça (região cervical), tronco (região dorsal e lombar), braço e antebraço, mão e dedos, pernas e pés; oposições corporais, a resistência física mostrando os conflitos internos (não devo ir àquele ponto, porém desejo), o drama corpóreo; transferência de peso para mudar o eixo: equilíbrio e desequilíbrio desenhando atitudes padrão. O espaço melodramático é coberto por trajetórias indiretas que compõem desenhos semicirculares e diagonais no solo; testa-se o domínio do movimento no espaço a partir de diferentes evoluções rítmicas; uso de distintos graus de força (energia) na locomoção para narrar a história a partir do som dos passos; contrapontos revelando corporalmente as indecisões da personagem. Mais tarde brinca-se com composições coreográficas que são narrativas corporais e mudas da cena.São conduzidos jogos que estimulem o ator no prazer de exibir-se: voz amplificada e projetada por competições de canções melódicas; audições para selecionar vilões, donzelas, cavalheiros, enfatizando a busca de posturas adequadas e de discurso coerente com o tipo; proposição de brincadeiras através de estímulos da música, da dança, de jogos com a bola, etc, com o intuito de lidar de forma sincera e emocionada com situações românticas, climas de guerra, reparo de injustiças, reencontros fraternos ou amorosos...
Autor: Daniela Carmona, atriz e diretora de teatro. Autora do livro: Teatro - Atuando - Ensinando - Dirigindo

Comentários